quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

5.3 Circular da linha 82

Circular da linha 82 oferece biblioteca itinerante à população

Certo dia, uma passageira intrigou-se com a cena a que assistira. Fixando o olhar naquele homem que folheava um livro. Conseguiu ver o autor. Era Jorge Amado. Entre um sossego e outro, enquanto não chegava passageiro, ele passava uma página. Admirada, antes de descer, foi até o moço e perguntou: “Você gosta de ler, cobrador?” Ele devolveu, envergonhado: “Gosto, sim, senhora!”.Uma semana depois, ela trouxe três livros de literatura brasileira para o cobrador Antônio da Conceição Ferreira, maranhense de 36 anos e há 13 morando no DF. Ele emocionado levou para casa seu mais novo acervo. Devorou-os. Enquanto lia suas histórias, pensou: “Por que não compartilhar isso com outras pessoas?” E ele teve uma grande idéia: levaria os livros para o ônibus e assim incentivaria outras pessoas a ler também. Antes, muito antes, havia pensado em montar uma biblioteca em Sobradinho II, onde mora. Seria um espaço de leitura e pesquisa para quem quisesse chegar. Desistiu pela completa falta de apoio e nenhuma condição financeira.Sem ter uma biblioteca fixa, resolveu que ela seria itinerante. Juntou as 10 obra que tinha em casa, colocou numa sacola e partiu para o ônibus onde trabalhava, um circular em Sobradinho II. Ali, a idéia se concretizou. Projeto Cultura no Ônibus. Incansavelmente, ele explicou sua idéia para os passageiros da sua linha. E pedia doação.A novidade se espalhou. Em poucos meses, havia centenas. De todos os tipos, gêneros, gostos. Até gibis. E o povo começou a ler, levar para casa, trocar. Falar de poesia, comentar sobre histórias. Nem a confusão do ônibus lotado tirou a vontade de ler dos passageiros. A linha de Antônio tornou-se a mais disputada do pedaço.Há sete meses, porém, o cobrador foi transferido para a linha 82, que parte do Núcleo Bandeirante com destino ao Setor de Abastecimento e Armazenagem Norte (Saan). Ali, recontou sua história. E mais livros chegaram. A casa modesta onde mora de aluguel com a mulher, filho e uma enteada não coube mais tanta coisa. Ele teve que alugar um barraco para guardar o acervo que não parava de chegar. Todo mês, desembolsa R$ 120, do salário de R$ 569, para pagar o aluguel do lugar onde está seu tesouro. Hoje são mais de 4 mil livros.

Dedicação à cultura Quem pega o livro assina uma ficha, que vira o cadastro. Lá, consta o nome do leitor e o telefone. Nada mais. Prazo de devolução? “Varia de acordo com a capacidade de leitura de cada um”, ele explica. Em um ano, não mais que 10 livros deixaram de ser devolvidos. “Jamais vou deixar de levar meu projeto pra frente porque um ou outro não devolveu. Os honestos não podem pagar pelos não honestos”, reflete o cobrador — filho de um lavrador e uma catadora de coco babaçu. Antônio deixou os confins do Maranhão atrás de um sonho: estudar e “ser alguém na vida”.Aqui, entretanto, por causa das dificuldades financeiras, ele ainda não conseguiu terminar o ensino médio. Precisou trabalhar para sobreviver. Foi auxiliar de serviços gerais, balconista, vendedor e, há 8 anos, virou cobrador. Levou o desejo de estudar para dentro do ônibus. Realiza-se quando observa um passageiro extasiado com seus livros. “Quem lê tem uma visão mais crítica das coisas, do mundo e da vida. Aí, se liberta”, ele filosofa. E, assim, durante seis horas e meia por dia, seis dias por semana, faz o que mais gosta: leva conhecimento a quem, na maioria das vezes, não teria condições de comprar um livro.

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